Sinto-me sufocar... as palavras já não acontecem. As letras acumulam-se em mim e entopem-me a alma. Tenho uma bola de frases nunca concretizadas no goto e por mais que tussa não as consigo cuspir.
Talvez sejam palavras que não quero dizer porque senão tornam-se reais. O que existe somente dentro do meu peito é só meu e eu posso sempre mudar o seu aspecto.
Mas não posso. O que existe dentro de mim tem vida própria. E cresce e muda de cor e de forma a seu bel prazer e eu a ver. Não pode ser.
Controla-me. A angústia controla-me e então tento perceber-lhe o princípio e o fim, encontrar-lhe a raíz para lhe cortar o mal. E desço e desço e desço e já está demasiado escuro, alguém acenda a luz! Tenho medo. Não há ninguém.
O outro lado do mundo não é suficientemente longe porque eu vim comigo. Não há fuga. Tenho que me apaixonar por mim mas o amor não acontece assim.
Sinto-me sufocar com o que queria ser e não consigo concretizar. Vejo sombras do meu eu não realizado, vultos do meu eu potencial que nunca vai acontecer. A minha eu desejada não era esta coisa desconjuntada, deformada, desajeitada...
Algo está errado. Sei que dentro desta caixinha de vidro está a solução e que ela é simples como um comprimido. Está demasiado sujo, não consigo ver lá para dentro. Não consigo abrir. Não consigo partir. E fico só a olhar, especada, esperando que a caixa desabroche.
Penso no que tu acharias se ouvisses a minha confissão, se passeasses na minha alma e visses como nela há vales sombrios e florestas tão negras que o senhor das trevas teria medo de nelas dormir. Talvez descobrisses o interruptor e empurrasses para longe a escuridão. Talvez, com um toque de magia, afastasses as nuvens e deixasse de chover. Talvez trouxesses o verão. Mas não. Não te interessas por mim. Nunca quiseste entrar. Nem tu nem ninguém. Não há ninguém.
É demasiado triste pensar que sou só eu comigo. Vamos dois a dois e tive azar. Cheguei tarde. O autocarro está cheio e não há lugares lá atrás com as pessoas fixes. Tenho que ficar a ouvi-los divertir-se enquanto a miúda chata ao meu lado fala de coisas desinteressantes. Talvez nem fale. Apetece-me bater-lhe. Partir-lhe os dentes ao pontapé. Mudo de lugar mas ela vem atrás. Ponho os phones mas ela não se cala. Ela sou eu.
Não há almoços grátis. Ok, eu estou disposta a pagar. Ninguém me serve. Não há ninguém.